CHAUÍ, M de S. Ideologia e Educação. Educação & Sociedade. 1980, nº5, pp. 24-40.
A autora em seu texto supracitado relaciona a ideologia com a educação. Limitando-se em apenas “levantar alguns temas correntes nas discussões pedagógicas, para avaliar até que ponto encobrem ou não alguma ideologia”.
Já no inicio do texto, Chauí diz de que maneira tratara a ideologia, para que não surja nenhuma interpretação errônea. E sempre destaca que não tem pretensão alguma de esgotar os temas, visto o vasto campo que abarcam.
Ideologia é um grupo ou “corpos”, como a autora chama, de representações e de normas que dizem “o que se deve e como se deve pensar, agir e sentir”, constitui um imaginário universal, isto é, os interesses e o ponto de vista de uma classe são generalizados por toda a sociedade, o que podemos chamar de universalização do particular. Ela é marcada pela lógica lacunar, é por meio de suas lacunas ou dos silêncios que seus encadeamentos se realizam, e também pela lógica de eternidade, se oculta sua origem, fazendo-nos crer que seja uma verdade já pronta e eterna.
Estas características fazem com que a ideologia seja uma lógica da dissimulação e da ocultação. Transformando o que antes era discurso de para discurso sobre, enquanto o primeiro trata de pensamentos o segundo trata de conhecimentos, que por sua vez cristalizam o discurso.
Nossa sociedade obedece à regra da competência que, de modo geral determina quem, o que e quando se pode discutir. E o estado (mistérios e secretarias) é que está apto para discursar sobre a educação e para legislar, regulamentar e controlar o trabalho pedagógico, excluindo os que poderiam falar da educação enquanto experiência: os professores e os alunos.
A ideologia contemporânea (1979) esta montada sobre o mito da racionalidade que tem sua origem no “taylorismo” (separação dos que decidem dos que executam), a partir disso, surge as burocracias como forma de reunificar o disperso transferindo para si a mesma separação que houve na produção, e ainda, surge a idéia de administração como planejar e organizar, todas as instituições (fabricas, museus, universidades, etc.) são vistas como iguais no sentido administrativo, isto é, transforma-as em empresas.
A autora mostra que o que silencia o discurso da educação são exatamente os pontos assinalados anteriormente: a regra da competência junto com o mito da racionalidade vinda do tayorismo, que fragmenta o processo de trabalho para torná-lo o mais produtivo possível, e da burocracia com tudo que ela abarca (hierarquia, fragmentação, separação de dirigentes e dirigidos).
No espírito filosófico, a autora termina (no papel) este assunto com uma serie de perguntas intrigantes para não deixar o tema “morrer” no texto e levar a uma reflexão, uma mudança na forma de ver a educação e de falar da educação.
Também é presente em nossa sociedade a noção de que imaturo é a criança, a mulher, as raças inferiores e o “povão” e por isso que devem ser dirigidas e governadas. A noção de imaturidade tem seu caráter político-ideológico, enquanto o oposto, a maturidade é científica. Dentro deste panorama, a autora chama-nos aos programas e currículo para averiguar a quem serve e a que serve.
Em uma tentativa de explanar sobre a relação entre a escola e a comunidade, a autora faz mais perguntas do que afirmações seguindo suas raízes filosóficas e confirmando o caráter informal que foi construído o texto. Ela não chega a um ponto exato do que seja a comunidade, apenas cita a visão de comunidade de Weber, Marx e da Teologia da Libertação. Critica a forma como se dá o serviço da universidade prestado a comunidade, de oferecer mão-de-obra para as empresas e como forma de a comunidade participar da universidade como presença (de membros do patronato) nos Conselhos Universitários.
A seguir, a autora traz a discussão o tema do critério de auto-avaliação na sociedade e por meio de perguntas ela mostra que a idéia de auto-avaliação é uma forma sutil de manipulação ideologia onde a liberdade é definida através de uma autonomia imaginaria. O critério de auto-avaliação esconde problemas de ordem metafísica, antropológica, sociológica, política e ideológica.
Ao tratar dos recursos áudios-visuais, a autora afirma que numa visão inicial estes fazem parte de uma nova educação que pode levar o aluno a atuar como totalidade corporal e espiritual, porém, a forma com que eles são utilizados no Brasil reduz o aluno à posição de consumidor, está presente nestes recursos tendências a simplificar as questões freando o pensamento que leva a transformação e uma redução da dimensão simbólica da cultura. Marilena questiona ainda, a quem interessaria a redução dos alunos, a simplificação das questões e a redução cultural. E conclui que o recurso áudio-visual transforma a igualdade educacional em nivelamento cultural pelo baixo nível dos conhecimentos transmitidos.
A dinâmica de grupo parece ser um recurso válido, porém quando a autora examina as “teorias” sobre o tema, percebe que levam a resultados opostos aos que eram esperados. Dá atenção a dois resultados: a dinâmica tende a gerar uma forma nova e sutil de dependência recíproca e cria nos membros a expectativa de ampliar para além do espaço grupal a mesma experiência, percebendo que não consegue, acaba frustrando-se. Mas, não deixa de destacar formas positivas de se trabalhar com grupos dinamicamente.
A oposição entre educação como formação e como conscientização leva-nos a uma outra, entre uma visão tecnocrática (Skinner, Taylor) e uma visão humanística (Kant, Mounier). A visão humanística já foi criticada pela autora anteriormente, enquanto, há uma esperança em que ao optar pela maneira humanística, que enxerga o aluno como fim, a educação possa ser um instrumento de conhecimento e de transformação do real, mas a autora descarta esta alternativa, pois ao optar pelo humanismo não criticaríamos a ideologia, mas permaneceríamos em um pasto cujos limites são dados por ela.
Aprofundando a idéia da educação como conscientização, a autora, levanta dois riscos ideológicos: o risco da atitude iluminista, e a transformação em uma falsa consciência, maquiando os já conhecidos hábitos. Assim, Chauí, quer reavaliar a questão da conscientização.
E, segue numa proposta de uma pedagogia que leve em conta a contradição interna. Sendo a interna, ela coloca-se em movimento por si mesma sem que precise aguardar uma ação externa, tirando-a da passividade, tentando captar aqueles momentos objetivos e subjetivos nos quais a contradição possa vir explicitar-se, criando condições para que a descoberta possa acontecer. Mas, ratifica a autora, talvez seja a noção de maturidade, discutida em parágrafos anteriores, um dos grandes obstáculos para essa pedagogia.
O ultimo tema erguido pela autora é o de revelar o professor de sua pedagogia. E é justamente isso que irá fazer, enquanto professora e alguém que fez sugestões pedagógicas. Mostrará o seu professor utópico, que ora pode existir e ora pode desaparecer porque aceitou a contingência radical da experiência pedagógica.
O professor deve trabalhar para faze desaparecer a figura do aluno enquanto aluno e para isso ele deve esforçar-se para deixar a cadeira de professor. O lugar do professor existe como lugar vazio, todos podem desejá-lo e ninguém pode preenchê-lo senão sob o risco de destruí-lo. A relação professor-aluno é assimétrica e sem dialogo. É necessário aceitar a assimetria para não forjar a caricatura do dialogo e exercer disfarçadamente a autoridade. O diálogo do aluno, não é com o professor, é com o pensamento, com a cultura nas obras e praticas sociais e transmitidas pela linguagem e pelos gestos do professor, simples mediador. O professor não é o que diz “faça como eu”, mas: “faça comigo”.
Em seu ultimo parágrafo, cheio de perguntas sem respostas, a autora questiona a origem do risco cotidiano de querermos que haja um mestre, a figura da autoridade. E concluí a ideologia não esta fora dos professores como um poder perverso que falseia as boas intenções: ela está dentro, talvez porque tenham boas intuições.
Do modo geral o texto de Marilena Chauí é reflexivo, levando-nos a pensar como se dá a relação da educação entre a ideologia no inicio da década de 80. A autora não vem com conceitos prontos e fechados, mas de modo contrário, ela abre e como já fiz diversas referencias ao longo deste texto faz mais perguntas.
Caso, o texto da Profª. Chauí fosse publicado há pouco, diria que esta baseado na atual propaganda que esta sendo vinculado pela TV do jornal paulista Folha de São Paulo: “o que move o mundo não são as respostas, são as perguntas”. Agora posso ver que os dois, tanto o texto quanto a propaganda, bem menos a propaganda, por se tratar de uma propaganda que deseja o lucro, estão relacionados a uma idéia antiga, da dialética de Sócrates, do motor do espírito filosófico: Questionar para transformar.
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